HISTÓRIA E LE NDA NA POE SIA HE RÓICA
E SPANHOLA zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
E studo paleográfico-diplomático do primeiro cantar
épico espanhol, o " Poema de Mio Cid" (*) . zyxwvutsrqponmlkjihgfe
Tôdas as nações têm, umas mais, outras menos, sua Literatura
Heróica. E tôdas igualmente não têm visto nela, falando em geral, mais do que lendas, muito belas, sim, mas no fim, lendas.
De mundos tão pródigos em acontecimentos, e tão importantes para a marcha da Humanidade, como são os medievais, contamos apenas para escrever sua História, junto a uma exígua quantidade de documentos, com as narrações heróicas. Apesar disso,
estas últimas têm sido rejeitadas sistemàticamente pelos historiadores, por acreditarem que havia nelas sõmente elementos legendários, que não eram de nenhuma utilidade para a História.
Felizmente êste conceito já está modernamente ultrapassado, pois se demonstrou, da maneira mais absoluta, que nas canções de Gesta existe uma quantidade tão grande de dados históricos que nem as próprias Crônicas ou Histórias daqueles tempos
as superam; até o extremo, de que muitas destas não são mais
que refundições em prosa dos cantares heróicos.
Isto é tão certo, que obras como a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
Crónica de Viente Reyes,
ou a Grande e General Estaria de Espatia, de Afonso X,, o Sábio,
contêm, conforme demonstrou a moderna crítica paleográfica, uma
infinidade de poemas épicos dissolvidos em sua narração. Dêstes,
uns se perderam, mas outros se conservaram inteiramente ou quase por completo. Entre os segundos, está precisamente o que vai
ser objeto de nosso estudo. E' bem verdade que a primeira fôlha
dó único códice conservado, falta-nos, por infelicidade; mas esta
perda, ainda que lamentável, não é, no entanto, irreparável, pois
que pôde ser completada sem grande dificuldade, graças à particularidade antes mencionada, de figurar sua narração em prosa,
nas duas obras anteriores.
( ) . — rzte trabalho foi premiado com a qualificação máxima pela Cátedra de Lite.
ratura Universal da Universidade de Valladolid (Espanha), em 27 de junho
de 1949. Texto espanhol traduzido pela Licenciada Sonia Aparecida Siqueira.
(Not a da Redação).
zyxwvutsrqponm
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Que utilidade, pois, têm para a História a poesia heróica,
as canções de gesta e os poemas épico-legendários?
São apenas lendas? ... E' tudo História?... Que há neles
de uma e de outra? ...
Eis algumas interrogações a que vamos tentar responder, pois
acreditamos sinceramente, que estas monografias paleográfico-histórico-diplomáticas, não só acêrca de um único poema,• como nós
vamos fazer, mas acêrca da maioria dos demais, seriam de uma
importância verdadeiramente transcendental para a História . De
períodos muito extensos dela, não conhecemos mais que a fenomagistra vitae que todos afirmamenologia. Se a História é a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
mos, não o será precisamente, porque sabemos quantas batalhas
ganhou ou perdeu tal ou qual monarca, ou quantos anos ocupou
trono, ou as vêzes que seus súditos se sublevaram . Conceito tão
simplista e infantil, não mereceria a pena sequer estudar.
Portanto é indispensável aprofundar mais e ir ao próprio âmago do problema, à crítica interna ou diplomática.
Baseados nestas duas ciências, Paleografia e Diplomática, vamos intentar reconstruir um mundo, não tão sumamente longínquo (a composição do poema foi fixada por Menéndez Pidal no
ano de 1140),• mas para nós quase totalmente desconhecido, como
XI, com suas instituições, sua sociedade, seus costué o do século zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
mes, suas lutas, seus sentimentos; enfim, todo êsse mundo sôbre
qual não se escreveu nem uma letra, e que no entanto, constitui a essência da História Medieval.
Intentar dizer algo de novo acêrca do primeiro poema épico da.
Literatura Espanhola, do qual tanto se tem escrito, mais que um _
afã científico, poderia parecer temeridade. Apesar disto, cremos
sinceramente que vamos fazer um estudo que apesar de breve,
é totalmente novo, e do qual não sabemos de ninguém que o tenha tratado diretamente.
De todos quantos podem fazer referência ao poema, não há
nenhum tão importante e verdadeiramente essencial. Deixá-lo reduzido Unicamente a seus limites literários, equivaleria privá-lo de
90% de seu valor, pois que sua verdadeira importância, seu verdadeiro motivo de existência, e fim para que foi composto, foi e
é a História . O anônimo poeta de Medinaceli não pensou nunca
em redigir apenas uma bela obra poético-literária, como também,
mais ainda, uma obra histórica. Seu primeiro intento foi um
fracasso; se alcançou o segundo, constituiu um êxito.
Saber o que tem de História e o que tem de lenda, equivale
a achar a verdadeira essência do poema, e por conseguinte, sua
utilidade ou inutilidade para a primeira.
Para realizar um estudo desta natureza, ser-nos-á preciso recorrer a tôda classe de fontes documentárias, tanto oficiais como
particulares, reais, religiosas, etc. Mas, qual delas terá menos erros? Porque, se vamos dizer a verdade, tôdas elas, igualmente, es-
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tão eivadas de inexatidões, omissões, redundâncias utilitárias, etc.,
que tornam extremamente difícil averiguar a verdade, através delas.
Exposto assim 'o problema (e assim o é na realidade), o apro- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
o, veitamento de tais fontes resulta sumamente problemático. Mas
como não há outras, torna-se imprescindível a utilização destas.
Desta necessidade tão peremptória, nasceram duas ciências afins,
a Paleografia e a Diplomática, para que dando-nos uma, os meios
e as regras para analisar o "corpo" do documento; a segunda nos
complete a obra, ensinando-nos a reconstruir a "alma" de todo o
escrito.
Estas duas ciências serão as que nos darão a conhecer, sem
nenhum gênero de dúvida, quando devidamente aplicadas, a verdade ou falsidade, a utilidade ou inutilidade dos poemas. O que
têm de História e o que têm de lerda.
Não pretendemos de modo algum, que seja êste, um trabalho exaustivo do tema, mas tão somente demonstrar o mais convincentemente possível, que nos poemas, a História tem muito o
que recolher.
Depois do anteriormente exposto, qualquer um poderia pensar em afirmações gratuitas. Com o objetivo de evitar o mais possível a suspeita, vamos aduzir algum exemplo como demonstração
d.e nossas asserções.
Dizíamos que as fontes documentais: Crônicas Oficiais, Histórias, etc. careciam da virtude essencial para tôda obra histórica:
a imparcialidade. Que tôdas elas são parciais por natureza, e que
a crítica diplomática tem que rejeitá-las em sua quase totalidade,
nada melhor que o seguinte exemplo nos diz, e como êle, advertimos já zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de antemão, há infinidades.
Frei Gil de Zamora, preceptor de Gancho IV, o Bravo, acusa
Urraca e Afonso VI de incestuosos, coisa historicamente certa, e
conhecida de todos, até dos próprios cronistas árabes, que narram inclusive a "penitência" que a Igreja lhes impôs por tal delito (1 e 2) . Exemplos como êstes, encontrámo-los sem conta, zyxwvutsrqpo
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
4
(1). — Frei Juan Gil de Zamora, em sua obra De pr aeconi i s ci vi t at i s Numanci ae
(Loores de la ciudad de Zamora) escrita em 1282, alude: "Urraca, en cuanto
ocurrió el asesinato de Sancho, convocada la corte de leoneses y zamoranos,
envia mensajeros a Alfonso, a quien ameba entrafiablemente (quem víscerafitar dilegebat) el cual estaba en Toledo desterrado". O vassalo de Afonso,
Pedro Ansurez, depois senhor de Valladolid, teve que ficar em Toledo, à
mercê do Rei mouro, enquanto Afonso às escondidas cavalgava à noite para
Zamora. "Recibido con gran alegria por su hermana Urraca, esta le propone
que se case coa ella, ambiciosa de poder y de ser llamada Reina. El herniano
se resiste a tan inicua unión, pero ella le hace prender y encadenar teniéndole
así, segun cuentan las Historias, hasta que vino de Toledo Pedro Ansurez.
Este entabló largos con Arias donzalo el ayo de Urraca, Alcaide Gobemador
de Zamora, reduciendo a ambos hermanos a una concordia, por la cual Urraca
entregaria a Alfonso la ciudad de Zamora, y Alfonso entregaria su "cuerpo"
y su reino a su hermana, lo cual fué jurado por ambos sobre los Santos
Evangelios. Arias Gonzalo por orden de Dofia Urraca entregó Zamora a Alfonso, recibiéndole por Rey y Sefior. Después celebradas las nupcias entregaroa la tenencia de la ciudad a Pedro Ansurez, y procedieron al gobierno
del reino".
(P. Fita no Boletim da Real Academia da História, V, 1884, págs. 166.167).
O exímio arabista Leví-Provençal, publicava em 1948. na Revista "Al-An(2) .
dalus" a tradução que acaba de fazer o cronista árabe Ibn-Al-Sayrafi, em
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não apenas na Crônica Silense, como até na Toledana, e mais ainda na Compostelana, onde a parcialidade gelmiriana não repara
nem em contradições, nem em tergiversação de acontecimentos (3). zyxwvutsrqp
E ' bem verdade que nas canções de gesta predomina, muitas
vêzes, o legendário e ideal, sôbre o verdadeiramente histórico; mas
isto, em lugar de inconveniente, é antes uma vantagem, sendo precisamente através da lenda que melhor conhecemos o verdadeiro
caráter dos personagens; do meio ambiente em que vivem e se
movem; do mundo humano que os rodeia; assim como do meio
físico que os restringe ou favorece; e, sobretudo, dos móveis, dos
ideais que os impelem, com fôrça irresistível para diante, até lograr o triunfo de uma idéia, que para êles é a melhor ou a mais
adeqüada; bem como das circunstâncias, que os obrigaram a de-.
senvolver-se num meio em geral hostil e adverso .
Lenda e História são duas qualidades das quais não podemos privar as canções de gesta, sob pena de fazer dêles um inútil
acervo de palavras sem sentido, e de papéis garatujados . zyxwvutsrqpo
I. — O Poema de "Mio Cid".
Como exemplo de quanto temos dito, nenhum tão idealmente belo, nem histÓricamente sugestivo, como o Poema de Mio Cid.
Os conceitos que mereceu desde seu encôntro, lá pelo ano de
1779, até o momento presente, têm sido sumamente contraditórios. Foi para uns — Masdeu, Cirot, Dozy — o protótipo das
patranhas, chegando inclusive alguns, à negação histórica do herói de Vivar.
Antes de começar o estudo do poema, devemos advertir que
não se trata neste trabalho, de fazer um estudo detalhado da primeira canção de gesta espanhola, coisa totalmente impossível, dada a sua brevidade, e a ingente quantidade de dados, detalhes e zyxwvuts
que dizia: "relato que transforma totalmente la idea que se terna de las
relaciones entre Urraca y Alfonso!" Refere-se à obra "La Espaila del Cid"
de D. R. Menéndez Pidal, ria qual se qualificava de "desvergonzada hablilla"
e "calumniosa inculpación" as afirmações de Frei Gil de Zamora.
Era de supor, e isto acrescentamos nós, que acusação de tal categoria,
não iria lançá-la sem motivo algum, por muito ódio que Frei Gil professasse a Afonso, contendo sua acusação um dos mais graves escândalos que entre
cristãos se pode cometer. E agora, em seguida, vamos ver como pela boca
de um cronista árabe — Ibn-Al-Sayrafí — se faz a mesma imputação gravíssima, e nos certificamos de quanto o franciscano professor da Sancho
IV, o Bravo, afirmava dois séculos depois.
Diz, pois, Ibn-Al-Sayrafí: "Se refiere que Alfonso hijo de Fernando,
estuvo en tratos carnales cor su hermana Urraca, siguiendo así, aunque era
cristiano, las prácticas de los persas. Arrepentido meses después, de pecado
tan nefando, pidió su absolución a los jerarcas eclesiásticos de su religión.
Estos le impusieron de penitencia, la peregrinación a las Iglesias mas veneradas y ejercicios espirituales". (Al-Andalus: Vol. XIII, 1948, fascículo 1) .
E' necessário advertir que nas edições seguintes da obra, Menéndez Pidal
corrigiu totalmente o conceito anterior, adaptando o relato à fonte árabe
antes aludida.
(3) — A primeira foi composta no Mosteiro de Silos, e daí seu nome. A segunda
foi escrita no século XIII pelo Arcebispo de Toledo, D. Rodrigo Gimenez
de Rada. E a terceira, pelo Arcebispo de Santiago de Compostela, Gelmirez,
no século XII.
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acontecimentos que documentalmente ter-se-ia que provar ou negar. Trata-se sàmente de dar uma visão de conjunto, que nos
permita fazer uma idéia, a mais aproximada possível, da proporção em que estas duas características, História e lenda,• entram em
sua formação. Para isso citaremos só uns tantos exemplos que,
sempre sem sairmos do poema (exceção está claro, daqueles documentos ou citações que sejam imprescindíveis para confirmar
ou negar as notícias do poema, ou simplesmente para esclarecernos), corroborem cada uma de nossas asserções.
Nada diremos, tão pouco, acêrca de suas características lingüísticas e de versificação, ainda quando em linhas anteriores tenhamos afirmado, que como obra poética, é um fracasso. Dizemos isto, referindo-nos incidentalmente à sua versificação verdadeiramente bárbara, pois sua métrica não se acomoda a nenhuma direção. Ainda quando sua forma predominante seja a do
verso de 8 mais 8 sílabas, isto não quer dizer nada, pois da mesma maneira encontramos outros de 24, ou pelo contrário de apenas 4 sílabas. Mais do que seu ritmo, tem-se que assinalar e dizer que sua arritmia é quase total e complexa em passagens inteiras.
Em resumo, a versificação do poema, sendo irregular no metro e no emprêgo da assonância, seria inútil querer reduzi-la a um
tipo uniforme. Sua rude liberdade tem •caráter próprio, em acôrdo
perfeito com os feitos que canta . Não se deve esquecer, tão pouco, que nos encontramos diante dos primeiros balbucios de uma
literatura incipiente. Depois desta pequena digressão, voltemos
de novo ao poema .
Escrito êste, sàmente uns 40 anos depois de morto o Cid, sua
narrativa pode-se dizer que é coetânea, e seu argumento, ainda que
o acreditemos suificientemente conhecido, é o seguinte:
Rodrigo Diaz de Vivar, é Alferes (generalíssimo) das
hostes do Rei Sancho II, o Forte, quando êste é assassinado
diante dos muros de Zamora. Em tal condição, exige juramento do sucessor, Afonso VI, em Santa Gadea de Burgos, "do juran los fijosdalgo", de não ter tomado parte
no assassinato de seu irmão. Esse ato de lealdade a seu
Rei morto, e as calúnias de que é alvo na cobrança dos
"partes" (4) do Rei de Sevilha, Al Motamid, por parte dos
chamados "mestureros" (5), fazem com que o novo Rei
Afonso conceba contra êle um ódio mortal. Afonso não se
atrevendo a tirar-lhe a vida, dá-lhe nove dias para que saia
desterrado de todos seus domínios. O Cid tem que abandonar tôdas suas riquezas e estados, e o que ainda lhe
custa mais, até sua própria mulher e filhas, e passar para
as terras dos mouros. Magnífico guerreiro, o Cid, e estrategista consumado, logra apoderar-se do reino mouro de
Valência, onde se proclama senhor. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
(4) . — Eram os tributos que os reis mouros tinham que pagar aos cristãos, para que
êstes não os subjugassem.
(5). — Ou "encrai)adores", eram os cortesãos que caluniavam aos nobres, sem motivo, perante o rei.
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Vai tão bem, e tão famoso se torna, que os Infantes deCarrión, depostos seus anteriores ódios e rancores, decidem casar-se com suas filhas, Dona Elvira e Dona SoL
Celebradas as bodas no palácio de Valência, onde mora
uni leão que aquêle tinha enjauCid, solta-se certo dia, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
lado. Os Infantes ao vê-lo, covardes e medrosos que são,
procuram lugar onde se proteger, e não encontrando outro
mais propício nem mais próximo, metem-se um debaixo
de um banco, e outro em lugar próximo, o que presenciado pelo Cid e por seus criados, torna os Infantes objetos das zombarias mais sangrentas, tachando-os de covardes.
Estes, vendo-se humilhados, e sobretudo depois de um
ataque dos mouros a Valência, no qual, ainda que vencedor, vêm o Cid voltar com a espada vertendo sangue, resolvem voltar para Castela. O Cid acede de bom grado,
lhes entrega suas duas filhas, mais o dote e os presentes
de casamento, tais como as espadas Colada e Tizona.
Em caminho para Castela, têm nue passar pelo robledo de Corpes, onde os Infantes decidem vingar a afronta do leão nos corpos das desditadas filhas do Campeador, suas espôsas. Para isso, após desnudá-las, lhes prodigam tão terrível surra com as esporas e cilhas dos cavalos, que as deixam, por julgá-las mortas, abandonadas
no monte.
Quando isto chega aos ouvidos do Cid, seu furor não
tem limites, mas por ser muito comedido, prefere pedir
justiça ao Rei, desafiando para isso aos Infantes de "menos valer,'.
Celebrado o duelo, os Infantes são vencidos, casando
Cid suas filhas com os Reis de Navarra e Aragão.
Todo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o poema gira ao redor de dois fatos principais, e muito
bem delimitados: o destêrro do Campeador, e um segundo, as bodas de suas filhas, Dona Elvira e Dona Sol, com os Infantes de.
Carrión.
O histórico através do primeiro é francamente assombroso.
Não sômente são totalmente verídicos os retratos dos personagens,
situações e lugares, como mais ainda, até os detalhes geográficos
mais insignificantes, são totalmente históricos.
Por exemplo, quando o Cid sai desterrado de Castela, no ano
de 1081, Atienza, praça forte da fronteira, está ainda em poder
dos muçulmanos; e diz o poema textualmente:
"A la sierra de Miedes ellos ivan posar
de diestro Atiença las torres que moros las han".
Por outro lado, quando tomada pelos cristãos, tornam a wssá-la repetidas vêzes, os cavaleiros do Cid; e até suas próprias
filhas, em caminho para Valência, mencionando novamente Atien-za, só diz que é "una pefia muy fuort".
Como podemos dizer que tudo ignoramos do autor do poema,
pois não sómente desconhecemos seu nome, como também tôdas
as demais circunstâncias sôbre sua pessoa, não obstante o estudo'
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diplomático e íntimo do poema e de sua geografia, nos fêz chegarcom Menéndez Pidal, a importantes conclusões sôbre o lugar em.
que se compôs o poema . A exatidão e o detalhe topográfico com
que o autor descreve certas comarcas, especialmente as de Medinaceli e as do vale do Arbujuelo, situadas nas atuais províncias
de Guadalajara e Cuenca, tôdas na Nova Castela, e na direção de
Valência, ou seja, pelo caminho que historicamente, e desde o.
tempo dos romanos, punha em comunicação Castela com o Levante valenciano, e que contrasta com a ignorância que demonstra, de outros itinerários e territórios, em relação a detalhes acidentais percorridos pelo herói, prova com tôda a evidência, que •
o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
juglar que compôs o Cantar era filho ou habitante das referidas comarcas.
"Podemos suponer, dite el referido autor, que eD
juglar nació alli, en Medinaceli... o que nacido bacia
San Esteban de Gormaz compuso su obra, para ser recitada en la plaza de Medina, importante punto de concurrencia y mercado. Atendiendo a alguna particularidad
del lenguaje, acaso podriamos sospechar también queel poeta era un mozárabe de Medina".
Para descrever com tal exuberância de detalhes, como veremos em continuação, a fronteira de Castela com os reinos muçulmanos, numa época em que aquela estava num constante vai-vem,
em um contínuo fluxo e refluxo, de modo que o que hoje era de
um, amanhã já não The pertenceria, e na qual se desconheciam por
completo, mesmo as mais elementares noções da cartografia, é
necessário sob qualquer ponto, admitir que o autor teve que percorrê-la várias vêzes, para chegar a dominar de maneira detalhada, a zona que descreve.
Dito isto, vejamos como q poeta conhece minuciosamente o
ponto exato onde chega a fronteira cristã, nesse determinado ano
de 1081: "pasó por Alcobiella que de Castilla fin es ya." Hoje é
uma questão sumamente difícil delimitar tal fronteira, no entre- tanto o poema não se contenta em• dar-nos apenas êsse dado, mas
nos dois versos seguintes nos diz até o ponto exato pelo qual vadeia o Douro:
"Ia calçada de Quinea ivala traspasar
sobre Navas de Palos el Duero va pasar
a la Figueruela Mio Cid iva possar".
E' possível dar-se maior quantidade de detalhes em ponto
tão importante como é a Geografia? E isto não nos faz ver sòmente no que se refere a Castela, mas também no itinerário, que
até a cidade de Turia fazem as hostes do Cid.
Veja-se como descreve alguns de seus trechos. O Cid depois
de cercar Castejón, e já que não queria pelejar com seu Rei Afon--
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so, resolve sair da zona que está sob sua proteção, a não ser que
venha socorrê-la, e levantadas as tendas, prossegue o poema:
"Vanse Fenares arriba cuanto pueden andar
troçen las Alcarrias e ivan adelant
por las Cuevas d'Anquita ellos pasando van,
passaron las aguas, entraron al campo de Taranz
por essas tierras ayuso cuanto pueden andar.
Entre Fariça e Cetina Mio Cid iva albergar.
Otro día moviós Mio Cid el de Bivar
e passó Alfama, la Foz ayuso van,
passó a Bovierca e a Teca que es adelant
e sobre Alcoçer mio Cid iva possar,
en un otero redondo, fuerte e grand;
acerca corre Salón, agua nol pueden negar.
Mio Cid don Rodrigo Alcoçer cueda tomar".
E' de notar-se, como afirma em seus Anais, o Sr. Zurita, que
entre Hariça e Cetina, passado Alhama, a Foz de que fala o poema, é um paso sumamente estreito e apertado por onde entra o
rio Jalón e atravessa a serra, que os antigos chamaram de Idubeda, onde se encerra a maior parte da Celtibéria . Até êste determinado zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
paso, conhece o poeta!
Como se •pode ver, no curto trajeto de Castejón a Alcoçer,
pouco mais de 50 ou 60 quilômetros, mencionou o poema nada
menos de 13 nomes: doze povoações e um rio.
Mas, se assim conhe,-e Castela, não domina menos 2 zona
valenciana. Vejamos: o Cid cercado pelos mouros, manda mensajeiros a todos os pontos onde tem partidários, a fim de que se
unam a êle, e diz:
"vayan los mandatos por los que nos deben ayudar
los unos a Xérica, e los otros a Alucad
desí a Onda e los otros a Almenar
los de Borriana luego vengàn acá".
Mas se o poema conhece a dedo tais extremos, não lhe são
menos familiares os nomes de todos e cada um dos "personagens",
que ora amigos, ora inimigos, , se entrecruzam na vida do Campeador. De nada menos de vinte •e cinco dêstes personagens, afirma Menéndez Pidal, ter encontrado a confirmação das suas existências em documentos da época .
Tanto aos amigos como aos inimigos que o poema mostra,
encentrâmo-los, efetivamente, nesse mesmo papel, nos documentos, crônicas e diplomas da época.
Daremos um exemplo: García Ordófiez é apresentado pelo
poema como um de seus mais encarniçados inimigos, e assim, ef.?.tivamente o encontramos até nas fontes árabes. O ataque de represália que efetua o Cid contra seus estados, temo-lo confirmado
até num documento do próprio Rei, em que Afonso VI diz textualmente, que o assina quando está a caminho em socôrro de Gar-
— 311 — zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
•
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cía Ordófiez, que está sendo atacado pelo Cid em seus próprios.
estados (6) .
Duplamente histórico o poema, não sómente nos fala dos
personagens, como até de seus estados, sua procedência, seu natural e inclinações e até de seus parentescos familiares, ascendentes ou contemporâneos: de Pedro Ansurez diz, abarcam seus estados desde Zamora, Carrión e Saldafia, e assim é, efetivamente
(7); dos Infantes de Carrión, diz:
"De natura rodes de los de Vani Gómez
onde salien condes de prez y de valor".
De Don Jerônimo, o famoso primeiro Bispo de Valência, original da França, assim se expressa:
"de parte de Orient vino un coronado
el Obispo don Gerome so nombre es llamado",
continua dizendo que era muito bom guerreiro, e o poeta não foi
muito expressivo, pois mais adiante, na batalha do Cid contra o
Rei Bucar, à vista de Valência, êste pede a honra das primeiras
feridas. O Cid, muito galhofeiro, crendo que D. Jerônimo sómente
sabe rezar, lhas concede e diz:
"A fe los moros a ojo, idlos ensayar
Nos d'aquent veremos corno lidia el Abad".
Mas sua surprêsa não tem limites, quando vê o ímpeto do.
que parecia beatífico Don Jerônimo; dos seus dois primeiros golpes, envia outros dois mouros ao paraiso:
"el astil a crebrado e metiól mano al espada".
"Ensayavas el Obispo, !Dios que bien peleaba!
dos mató con lanza e cinco con el espada",
mas, apesar de sua bravura, os mouros o rodeiam; o Cid que•
não o perdia de vista, julgou oportuno intervir, ou, caso contrário, ficaria sem o seu bravo D. Gerome; e, sobraçando o escudo,,
e lança em riste, aguilhoou Babieca o quanto pôde, logrando aliviar a tempo a carga do seu não muito pacífico bispo, para quem.
já lhe ia resultando algo embaraçoso.
Finalmente a menção que faz dos principais cavaleiros que
seguem a insígnia do Campeador:
"Minaya Alvar Fáfiez, que Çorita mandó,
Martin Antolinez, el Burgales de pro,
Mufioz Gustioz, que so criado fo,
(6) . — O Rei Afonso VI outorga os Fueros de Logro% "quando arnbulavi ad
illo Cómite Garsia sucurre (in) de personam per nominato in Campo Jerumiin Alberiht"...
(7). — (MaLueco Y Zurita: Documentos de Ia S I. M. de Valladolid, pág. 69).
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
— 312 —
Martín Murioz, el que mandó a Mont Mayor,
Albar Albaroz e Albar Salvadórez,
Galín Garciaz, el bueno de Aragón,
Félez Murioz so sobrino del Campeador",
é tôda ela, total e absolutamente histórica, como uma a uma demonstrou Menéndez Pidal em sua magistral obra antes mencionada: zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
La Espana del Cid.
Tudo, absolutamente tudo isto, confirmam-nos os diplomas,
cujas referências possuimos, mas que omitimos em razão da brevidade.
O Cid agoureiro:
"A la exída de Bivar — ovieron la corneja diestra,
e entrando a Burgos — ovieronla siniestra".
Martín Antolinez, "ardida lança"; os judeus usurários contando e recontando seus lucros:
"Raquel e Vidas en uno estabam amos
en cuenta de sus haberes, de lo que habien ganado%
e a alusão mais gráfica a seu omnímodo poder tanto antigo como
moderno: se o Cid não torna a pagar o empréstimo que lhe fizeram em Burgos, irão êles buscá-lo em Valência, ou aos próprios
infernos onde se meta, e assim diz o poema:
"Dixo Raquel e Vidas: — el Criador lo mande!
Si non, dexaremos Burgos, ir lo hemos buscar".
Pelo visto, então como agora, poder-se-á fugir do poder de
um Rei ou de um govêrno, mas nunca, jamais, das garras de um
judeu credor. O quadro de Holbein: "Os contadores de dinheiro",
empalidece diante de tão magistral e gráfica descrição!
Todos files são retratos morais e psicológicos, que nos dá o
poema com gracejo sem igual! zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
II. — As Bodas.
A segunda parte do poema, ou seja, as bodas, é algo mais
difícil de limitar a parte que tem de lenda, da realmente histórica.
Em linhas gerais, podemos afirmar que o fato em si das bodas, é totalmente legendário, não o sendo assim seus demais detalhes, tanto geográficos, como de personagens, indumentárias, armas e demais circunstâncias.
Objetar-se-nos-á e com razão, que se o poema é histórico em
sua primeira parte, por que não há de sê-lo na segunda? Em nosso conceito tem isto uma explicação: o poeta quis condensar tôda
a malevolência existente em Castela (8) contra os inimigos leoIA
(8) . — O ódio de Castela a Leão nesta época, era verdadeiramente feroz, chegando
várias vêzes a produzir autênticas batalhas campais, tais como as de Llantada e Golpejera.
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
— 313 —
neses do Cid,. e por sua vez vingar-Se e insultar da maneira mais
rnestureros e salvar ao
terríVel de todos os por êle chamados zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSR
mesmo tempo a realeza (infalível e sagrada, segundo as institui., ções germânicas das quais tantos exemplos encontramos em tôda
a Idade Média) ao depositar tôda a culpa das injustiças cometidas por Afonso VI contra o Campeador, não no Rei que as havia
cometido, mas em sua côrte que o havia aconselhado; e como esta
estava representada essencialmente por Pedro Ansurez e Garcia
Ordófiez, inimigos seguros do Cid, segundo o poema, tudo quanto
dissera, redundaria em vergonha e humilhação dos que durante
tôda a vida tornaram impossível a duradoura união do Rei com
o desterrado, isto apesar de ter êste, tão boa aliada como era a
Rainha Constanza (9). De tudo isto se condoia o poeta, e quis
vingar-se o quanto lhe era possível, no desonrar pelas ruas e praças aos que a seu ver haviam cometido tantas injustiças.
Encontrada a moldura, faltavam-lhe sèmente os personagens,
que serviriam de noivos, e nada mais a propósito para as pérfidas intenções do poeta, que os sobrinhos de Pedro Ansurez, os tão
Odiados Beni Gómez. Não escolheu algum filho de Garcia Ordófiez, porque não os tinha. Claro que importava muito ao poeta,
dar verosimilhança à invenção, e para isso,• precisava de personagens reais, tirados de família por todos conhecida, aos quais une
personagens secundários, também reais: Avengalvón, mouro amigo do Cid; Félez Munoz, sobrinho do Cid, .etc.
Achado tema e personagens, o poeta verte todo seu fel, sem
o mínimo reparo de que denegria da maneira mais vergonhosa,
uma das famílias mais ilustres de todo o reino, coisa que constituia precisamente seu objetivo.
Nem a boda, nem a afronta de Corpes, assim como as subseqüentes Côrtes de Toledo, jamais existiram, a não ser na imaginação do poeta, e em seu idealismo exaltado, do qual tantas
amostras encontramos; mas tôdas essas coisas eram necessárias
para o bom e cabal desenvolvimento da trama, e o juglar não he. sitou em acrescentá-las ao poema.
Mas nada disto é um desmerecimento para a obra, ao contrário, pois não sabemos o que admirar mais, se sua história, ou
sua lenda, porque se uma é bela pela veracidade de suas descrições geográficas e de pet'sonagens, não o menos a outra pelo talento no desenvolver uma trama totalmente ideal mas que se mescla da maneira mais surpreendente com o verdadeiro. Tão bem zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
o. canta e descreve, tão bem une o certo com o legendário que dá
a sensação de que tudo o é. Exatamente igual ao pintor da fábula que até aos próprios pássaros enganou com o seu cacho de uva.
,
,
'(a). — Afonso VI teve cinco mulheres legítimas: primeira, Inês; segunda, Constenza,
francesa; terceira, Berta, de Toscana; quarta, Isabel; quinta, Beatriz, francesa. E duas concubinas Ximenna Mufioz, e a moura Zaida (Isabel), nora
do Rei mouro de Sevilha, Al Motamid, entregue por êste a Afonso, como
prenda para a luta contra os Almorávidas.
— 314 — zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
Assim precisamente é o poema, tudo o que canta é realmente histórico, mas naquelas outras coisas que tal não o são, senão pura
lenda, idealismo puro de sua patriótica imaginação, nô-lo apresenta tão natural, tão verídico em todos seus detalhes acidentais,
que nos parece deveras, que tudo quanto ouvimos e escutamos, é
História certa e verdadeira.
•
robledo de
Do escárneo de que são alvo as filhas do Cid no zyxwvutsrqponmlkjihgf
Corpes, parece-nos que o juglar foi testemunha presente. (Vamos dá-lo em castelhano moderno, para que melhor se possa seguir o fio da narração).
"Todos se han ido ya: los cuatro están solos. Alli
los Infantes de Carrión meditan maldades:
"Dofía Elvira, dofia Sol; creedlo. Aqui seréis escarnecidas en estos fieros montes. Asi nos pagará el Cid la
mala pasada del león".
"Quitanles los mantos y las pieles, dejándolas desnudas con sólo la camisa y el brial. Los negros traido'res
Ilevan las espuelas calzadas, y echan mano a las cinchas.
Cuando esto vieron las damas, díjoles dofia Sol: Por
Dios os rogamos Don Diego y don Fernando. Teneis dos
espadas fuertes y tajantes: a aquella dicen Colada y la
Cortanos las cabezas; seremos mártires.
otra Tizona.
Moros y cristianos irán diciendo que no lo hemos merecido nosotras. Pero no cometais tan gran crueldad; no
nos ultrajeis, que no ganaréis más que envileceros, y os
lo demandarán en vistas o en Cortes".
"No aprovechan a las damas sus ruegos. Los Infantes de Carrión comienzan a golpearlas. Sin compasión
descargan sobre ellas las cinchas corredizas y con las
espuelas hiérenlas en las partes más sensibles del cuerpo.
Así les rasgan las camisas y con ellas las carnes; escurría
tifiendo los briales la hermosa sangre. Tanto las maltratan, que pierden el conocimiento y caen al suelo desfallecidas y ensangrentadas. Ya se han hartado ellos de
herirlas, probando cual pegaria mejor. Ya dona Elvira
y dofia Sol no pueden hablar y por muertas las dejan
en el robledo de Corpes. !Oh, sin igual ventura, si pluguiese al cielo que apareciese de pronto el Cid Campeador!"
Mas entre os do acompanhamento alguém suspeita o que está sucedendo. Félez Mufioz, primo das desgraças espôsas, se esconde na espessura. Quando vê chegarem os Infantes sem suas
primas, seu coração se sobressalta, e temendo por sua vida, tanto
como pela de suas primas, volta pressuroso pelo rastro, até que
as encontra, complemente desfalecidas, e semi-mortas.
"!Primas, primas!... !Ay mis primas, dofia Elvira
y dofia Sol!!!... !Oh mala proeza hicieron los Infantes!
!Plegue a Dios que tengan su merecido!"...
"Las va haciendo volver en sí. Tan desmayadas estaLan que no pueden articular palavra. Mas todo inutil". zyxwvutsrqponm
— 315 —
• zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"Partiéronsele las telas — de dentro dei corazón,
llamando: !Primas, primas, — dofía Elvira e doria Sol!...
Despertedes, primas, — por amor dei Criador!
Mientras es ei dia — antes que entre lo noch,
los ganados fieros no nos coman en aqueste mont!"
"Ya doria Elvira y doria Sol comienzan a recobrarse. Abren los ojos ven a su lado a Félez Murioz".
"!Esforzáos, primas, por amor de Dios! Los Infantes en cuanto noten mi ausencia me harán buscar por
todas partes. Si Dios no nos vale, aqui vamos a morir
todos".
"Y al fin doria Sol dite con inmensa amargura: !Ay,
primo mio! Asi os lo compense nuestro padre el Campeador, que por amor de Dios nos deis agua".
Que realismo! Não pedem que as curem nem que as levem
dali, mas que lhes dêm água. Saberia o mendigo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
juglar que o desêjo mais veemente que sente uma pessoa, que teve um quase
total derramamento de sangue, é o de beber água? ...
Mas seu realismo não pára aqui. Tôda a cena que relata em
continuação é de uma tão elevada plasticidade, que parece impossível ser descrita sem tê-la presenciado.
"Con un sombrero nuevo y hermoso, que acababa
de sacar de Valencia, Félez Murioz cogió agua y dió de
beber a sus dos primas. Tan sedientas y lastimadas están
que no logro nada hasta que las hartó. Al fin, después
de tanto rogarias, ha logrado que se sienten. Poco a poco las va confortando infundiendo ánimo hasta que, algo
recobradas, las carga sobre ei caballo, y cubriéndolas
con su manto, tomó el caballo por la rienda, e inmediatamente salieron de alli. Todos tres, tristes y en silencio, salen dei monte cuando ya anochecia. Llegados a
las aguas dei Duero, Félez Murioz deja a sus primas en
la Torre de Doria Urraca, próxima a San Esteban de
Gormaz, donde son atendidas hasta que se restablecen"
(10) .
Não está tomada do natural esta cena? Quem não tomaria
como real e verídico o relato anterior? Cor razão diria Menéndez
y Pelayo, séculos mais tarde que o Poema de Mio Cid era "poesia vivida y no cantada"_ (11).
Tôdas estas belezas, tôdas estas qualidades inegáveis estão
no poema. Mas voltemos à questão crítico-diplomática. Nada
disto é históricamente verdadeiro.
Não são históricas nem as bodas, nem a afronta de Corpes,
nem as subseqüentes Côrtes de Toledo, nem muito menos, está
claro, o conseqüente duelo e vencimento dos Infantes. Temos
documentos, e vamos indicá-los, segundo os quais tudo isto é
poesia. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH
zyxwvutsrqp
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
(10). — Poema de Mi o Ci d. Editôra Espasa Calpe, págs. 210-217.
Poema de Mi o Ci d, pig. 8.
( 11) . — Menéndez Pidal,
— 316 —
Segundo o poema estas bodas devem ter tido lugar depois
da vinda do Rei de Marrocos; êste Rei de Marrocos não é outro
senão Yusuf, chefe dos Almorávidas; assim sendo, a batalha de
Sacralias, Sagrajas ou Zalaca, entre Afonso VI e Yusuf, tem lugar
no ano de 1086; logo as bodas, hão de ter tido lugar depois desta
data; no entanto, no ano de 1090, em uma doação de Afonso ao
Mosteiro de San Juan de Burgos, figuram os dois Infantes, Diego
Schola Regis (12) .
e Fernando González confirmando-o como de zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
Em 28 de fevereiro de 1094, dona Juliana Fortúriez faz uma doação a San Milián de la Cogoila, coram Rege Aldefonso, assinando como testemunhas nossos dois Infantes: Senhor Didacus
Gonsalbez, hic testis. Fredinando Gonsalbez, hic testis (13) . Outra doação de Afonso feita em Castro Fruela e em favor da catedral de Burgos no ano de 1099 também vai assinada por êles
(14) . E finalmente duas confirmações de privilégios que o Rei
Afonso faz para a Catedral de Oviedo e para o Mosteiro de °na,
em 1100 e 1105 respectivamente, assinam junto com outros Condes e Senhores, nossos dois Infantes, como de Schola Regis qui
praesentes fuerunt (15) .
Se como sabemos pelos costumes medievais, nenhum nobre
derrotado em palenque (16) podia continuar pertencendo à côrte, é fora de dúvida que os Infantes nunca o foram, pois continuavam pertencendo ao séquito real muitos anos depois da data
em que êste fato pode ter tido lugar, como os documentos anteriores nos indicam. E se nunca foram vencidos no palenque com o diz o poema, é evidente que tão pouco cometeram o delito
pelo qual foram desafiados de "menos valer" pelos familiares do
Cid. Tão pouco temos alguma notícia das Côrtes de Toledo de
que fala o juglar, fato importantíssimo, do qual deveríamos ter alguma referência como acontece com outros anteriores e posteriores. Nenhuma. crônica, nenhum documento nos fala de um fato
tão transcendental.
De tudo o que foi dito, uma só e única coisa se conclui e é,
que tôda esta segunda parte nada mais é que uma formosa lenda,
cujos personagens são reais e cujos demais acidentes topográficos, cronológicos, etc. são também autênticos. Mas o relato em si,
só pertence ao mundo da quimera, e... ao da calúnia! O próprio Menéndez Pidal é desta mesma opinião, quando diz que tudo quanto o poeta cantava referente aos Beni Gómez, não era
mais que uma "calúnia", ainda que com algum fundamento por parte de certos membros desta esclarecida família.
. — Ibid., pág. 556. (i.e. Menéndez Pidal: Poema de Mio Cid).
. — Cartulario de San Millán d. s. XVIII, n.o 338. Y Sota: Príncipes de Asterias, pág. 540. O notário lhes dá o título de "senhor" seguindo o uso de
la Rioja e Navarra.
. — Menéndez Pidal, Op. cit., pág. 801.
. — Archivo Histórico Nacional. Ofia (R-24) . A cópia feita em 1501, omite o
K — XL; pois na éra 1113 que corresponde ao ano 1075, não há Rainha
Isabel, nem arcebispo toledano, já que Toledo foi reconquistado dez anos
depois, ou seja, no ano de 1085.
. — Recinto onde tinham lugar as justas, duelos e torneios (Nota de tradutora),
-317—. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT
A Épica Castelhana sempre foi inimiga dos Beni Gómez por
serem leoneses, ao que deve-se acrescentar que sendo os Infantes,
e mais ainda seu tio, don Pedro Ansurez, o personagem mais poderoso da côrte, foram alvo, como é natural, de murmurações, das
quais, com mais ou menos fundamento, são sempre vítimas os po•erosos, por parte dos que lhes estão abaixo; para os quais os acertos são do Rei, e os erros de seus conselheiros.
Se bem que é verdade, em favor de quanto diz o poema, ou
seja, de terem sido os Infantes vencidos em duelo e tidos, portanto, como traidores, está a famosa tradição de Cornellana, nas
Astúrias, segundo a qual, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
los Infantes de Carrión después de vencidos por los del Cid, fueron a ocultar su deshonra, junto a su paciente el Conde don Suero, y que fueron sepultados en el Monasterio de Cornellana (17). Mas em abôno de tal tradição não conhecemos nem um documento que mencione tal' desonra, nem
indique a presença dos Infantes em tal lugar. Com referência
a seu tio, o Conde don Suero, sim, temo-los. Assim, do ano de
1120, encontramos uma carta de troca, pela qual Gonzalo Ansurez e sua mulher Urraca Bermudit trocam com o Conde don Suero
(Bermudez) a terça parte do Mosteiro de San Salvador de Cornellana (18) .
Também nos encontramos nesta segunda parte com um pequeno detalhe, mínimo se se quiser, mas altamente significativo,
e totalmente histórico: os atambores de los Almorávides.
Quando êstes segundos invasores da Espanha penetram na
Península, trazem, além de uma tática nova, terror não sômente
a Afonso VI, como também a todos os seus generais, como García Ordófiez, derrotado em Uclés; Alvar Hafiez, derrotado em Almodovar; (trazem) o nefasto rugir dêstes atambores, desconhecidos antes na Espanha . Era tão horrísono seu redobrar, e tão
pavoroso seu som, que um dos principais fatôres psicológicos da derrota de Sagrajas, atribuem os cronistas a êste tétrico soar, que helaba
la sangre e hacía retumbar los montes.
Este detalhe é tão característico, que não há um só cronista da época que o silencie.
O poema, que como dizíamos, é totalmente verídico em todos os
seus detalhes, tão pouco o omite, e assim diz:
(los Almorávides invaden a huerta valenciana)
"Fincadas son las tiendas e parecen los albores
a una gran priessa tafiíen los atambores".
Tão horrísono é êste tangido, que à pobre Jimena, mulher do
Cid, bem como às suas filhas quiere quebrársele el corazón; o
Campeador para reanimá-las sômente uma coisa lhes promete,
que dentro de quince días tendrán en su poder aquellos instrumentos que tanto pavor les causam (19).
(17). — Yepes, V. f. 381 d. e o P. Cartallo citado por Milá
Poesi a Her oi ca Popul ar , pág. 246.
(18) . — Vigil, Ast ur i as Monument al , pág. 515.
(19). — M. Pidal, Op. cit., pág. 91.
Revista de História n.° 18
y Fontanats, De l a
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
— 318 -- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
/ / / . — Guerra perpétua entre as duas Espanhas
O mais belo e talvez o mais histórico do poema, por não prestar-se a invenções, é a descrição do ambiente de guerra perpétua
entre as duas Espanhas, a cristã e a muçulmana, êsse caráter tão
peculiar e exclusivo que possuia na Península a guerra c( ntra os
mouros. Isto sim, também é totalmente histórico, pois aqui não
cabem mistificações. O estado de guerra permanente existente
entre cristãos e muçulmanos, o caráter que essa própria guerra
possuia, de guerra sem quartel e sem tréguas, na qual tudo era
permitido, desde o cativeiro e o roubo, até a própria morte.
"Grado a tí. Padre Espirital!
En sus tierras somos e fémosle tod mal,
bevemos so vino e comemos el so pan;
si nos cercar vienen, con derecho lo facen".
Está claro que esta confissão do próprio Campeador não quer
dizer que os muçulmanos ficaram atrás, pois eram igualmente desumanos, como veremos em seguida. Não semente saqueavam e
cativavam, como mais ainda, arrasavam tudo quanto à sua frenA frase muchas tierras preavan encontramos
te encontravam. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
repetida infinidade de vêzes. As razias, algaras y correrias pelas terras de mouros, ou pelas dos cristãos, se fizeram tão correntes, que chegou a ser costume, efetuá-las duas vêzes ao ano, na
primavera e no outono. Onde quer que um cristão encontrasse
um mouro, ou ao contrário, ali o matava, roubava ou prendia conforme fôsse sua fôrça. Chegar a uma cidade ou povoação, e sem
prévio aviso atacá-la ou saqueá-la, era tão natural entre ambas
as partes, que ninguém protestava.
E xemplo típico de quanto temos dito, é a tomada pelo Cid de
"Castejón el que es sobre Fenares
mio Cid se echó en çelada con aquellos que él trae,
Toda la noche yace mio Cid en çelada,/
como los consejava Alvar Fafiez Minaya",
êste, trama a emboscada, e sai com duzentos em algara, sem esquecer-se o Cid de dizer-lhe: Aosad corred que por miedo non
dexedes nada. 1V1inaya o realiza com excesso e arrasa tudo quanto encontra à sua frente, desde Fita por Guadalajara até Alcalá
(uns cinqüenta quilômetros).
Entretanto o Cid emboscado junto a Castejón, espera que
todos saiam para os trabalhos do campo. Os mauros desprevenidos e sem pensar na tormenta que se lhes avizinha, deixam as
portas abertas e se espalham pelos campos. O Cid de rebato sai
da emboscada, e surpreende aos descuidados mouros, que duvidosos, não sabem aonde acudir. Fogem para a praça, mas seguidos tão de perto pelo Campeador e seus soldados, que logram êstes
entrar antes que os próprios mouros.
— 319
A cidade com tudo quanto encerrava tornou-se propriedade
do Cid, que fêz e desfêz à sua vontade!
Minaya que por seu lado não dormiu tão pouco, volta com
uma quantidade tão grande de gado e roupas, em tal número, que
não há quem compre, nem a quem dar de presente. Por êsse motivo o Cid acode, para que lhe comprem o seu "quinto" (que como
chefe lhe corresponde), dos mesmos habitantes de Hita e Guadalajara, aos quais, dias antes, o havia roubado Minaya.
Tudo isto é apenas um pálido reflexo da realidade, pois pelo zyxwvutsrqponmlkji
Libro de los Milagros de Santo Domingo de Silos (20) conhecemos fatos muito mais horríveis ainda, sobretudo de cativos. Vejamo-los, e vejamos também os motivos e as conseqüências.
Umas vêzes tratava-se de verdadeiros prisioneiros feitos no
campo de batalha, ou como conseqüência dela; outras vêzes, eram
feitos ao frustrarem-se algaras ou correrias dos cristãos por terras
de mouros; e finalmente eram em outras, os mouros que penetravam em terras cristãs e levavam entre seus despojos, cristãos cativos, em regra geral, gente pacífica que era surpreendida quando,
descuidada, dedicava-se aos seus trabalhos campestres, como vimos com a de Castejón.
As pazes entre árabes e cristãos, na maioria das vêzes não
eram mais do que ilusórias, como podemos provar em continuação, pois a má fé de uns e outros, se encarregava de que não fôssem reais, e assim, na maior impunidade e de maneira vilã faziam
suas prêsas.
Tal aconteceu a Johan Martinez de San Román, natural de
Carrión e morador de Sevilha, que ia com dois companheiros buscar pão em Alcalá de Guadaira, e se encontraram com sete cavaleiros de Ronda y habiendo treguas apresaron a estos tres cristianos. Levaram-nos cativos e a Morón, e os cristãos desta vila
(ou seja, os mozárabes) quiseram comprá-los, não o consentindo
os aprisionadores. No dia seguinte levam-nos a Ronda, e próximos da vila mandaram perguntar se lhes deixariam introduzi-los
nela; mas as autoridades se negaram a deixá-los entrar por razón
de las treguas. Em vista disso, conduziram-nos a Algeciras onde
os puseram em leilão.
Assim procuravam acomodar o respeito oficial devido às tréguas ajustadas, e o cativeiro desleal feito durante as mesmas.
Infinitos são os exemplos de autênticos prisioneiros feitos no
campo de batalha; mas apenas citaremos um, famoso por refe•
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(20) . — Vi da y Mi l agr os de Sant o Domi ngo de Si l os, escrita por Pero Marin no século XIII. O autor, monge de Silos, escutou a maioria dos relatos, conforme diz o manuscrito, dos lábios dos próprios interessados, quando voltavam para dar graças a seu libertador Santo Domingo de Silos, por havêlos livrado do cativeiro, de maneira geralmente milagrosa e extraordinária. Sua autenticidade não pode, portanto, de modo algum ser posta em dúvida. A publicação foi feita pelo P. Vergara em 1736. Comentários magníficos , ôbre êste livro podem sei vistos na revista AI Andal us VII, fascículo
1, 1942, págs. 49 e segs. José Mã. de Cosío, Caut i vos de mor os en d
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
si gl o XIII.
-
3zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
2 0 --
Adelantado
rir-se à morte perto de Écija, de don Nufio de Lara, zyxwvutsrqponmlkjihgfed
da fronteira pelo Rei don Afonso X, o Sábio.
Segundo Pero Marín, que o reColhe por sua vez dos lábios
de Ramiro, Almocadén de Matrera, e testemunha presente da infeliz ação, relata, em Silos que salió con cuarenta y cinco peones
en ari da de don Nuno a Écija, ..la vigilia de Santa Maria de
Septiembre, (7 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
de setembro). El domingo por la mariana,
mandó don Nuflo comenzar la lid . Não estando conforme o Adalil
branco, com esta ordem, entabola-se um diálogo entre ambos, o
qual não resistimos em copiar textualmente, pela inimitável simplicidade com que o faz, e a abundância de detalhes.
Assim diz Pero Marín:
"Dixol el Adalil blanco: don Nufio, non comencedes la lit tan de mannana, atendet fata el medio dia, et
seredes bien apreso, et todos cuantos son convusco; que
non fincará moro que todos non mueran. Et si non atendedes fata medio dia, morredes vos, et cuantos aqui son.
Dixol don Nufio: — Nunca me dirán traidor; mas
quiero morir, que bevir con mal nombre. Entonz mandó desvolver la su senna.
Dixol otra vez el Adalil blanco; — don Nunno,
atendet fata tercia, et seredes bien apreso.
Dixol: — Non lo faré".
Aqui, o relato do cativo, como cumpre a seu caráter épico,
se detêm na velha superstição agoureira das aves, da qual encontramos uma infinidade de exemplos em todos nossos velhos poemas, como o de Fernán González, Los Siete Infantes de Lara, e
Como já temos visto em nosso poema em páginas •anteriores.
Prossegue Pero Marín com estas palavras:
"En esto veno un águila de mano diestra ante ellos,
et passó a la siniestra: después passó de la siniestra a la
diestra, et veno aderredor, et posósse en somo de Ias
menas. Comenzaron la lit et murieron todos los peones
que fueron con Ramiro el sobredicho, et otros muchos:
et cativaron a Ramiro..."
Segue-se a batalha, a qual não sômente a perdem como termina em matança geral de todos os cristãos, e entre êles o desditado don Nufío, que supersticioso ou não, pagou com •a vida seus
desejos de melhor servir ao Rei.
Outras vêzes o motivo de cair prisioneiros não era por móveis tão honestos e heróicos. O roubo também movia então, como
agora, o coração dos inquietos, e ainda em trôco de perder a vida
ou a liberdade, ou muitas vêzes ambas as coisas, corriam o risco,
para conseguir umas vacas ou aprisionar um rebanho.
Assim sucedeu a Martín Dominguez de Aranda, morador de
Sevilha, que saindo com outros de Cot
— 321
"et ovieron saber como andavan vacas cerca de Azafra, et que las podrien haver. Ellos yendo, ovieron zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
de,
encontrar con Galim et Zaba, con 250 peones de moros,
et dándose los unos con los otros de dexáronse vencer,
et morieron tres moros. Después tornaron et mataron
pieça de los cristianos, et cativaron este Martin Dominguez, et diéronle trece golpes. Et tomaron los moros
cuatro cabezas de los christianos, et atáronlas, et echárongelas a Martin Dominguez acuestas, et asi lo levaron
fata Ronda".
Cremos que só êstes exemplos são mais do que suficientes;
para provar nossas anteriores afirmações. Se alguém quiser certificar-se por si mesmo, tem sõmente que visitar a Igreja do Mosteiro de Silos, onde ainda poderá ver, como nós, as paredes cobertas de cadeias, cepos, grilhões e demais instrumentos zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
ad hoc, de
cativos fugidos ou libertados milagrosamente pelo glorioso São
Domingos.
Mas voltemos ao nosso poema, que como é patente coincide
em tudo com Pero Marín, de igual maneira com todos os demais
documentos da época.
Uma única obcessão dominava aos cristãos peninsulares na
Idade Média, e era que deviam expulsar os sarracenos da ,Península a todo custo; para isso pensavam, que todo o dano que lhes
fizessem, contribuiria, em seu parecer, para a consecução dêste
objetivo. E não se creia que sustentavam essas idéias sõmente
os desterrados como o Cid, ou García Ordónez, que tiveram necessidade disso para viver, como diz o Campeador ao derrotado Conde de Barcelona:
"Mas cuanto avedes perdido e yo gané en campo
sabed no daré a vos dello un dinero mato
ca huebos me lo he pora estos que conmigo andan lazrrados.
Prendiendo de vos e de otros ir nos hemos pagando
avremos esta vida mientras ploguiere al Padre Santo,
como que ira a de Rey e de tierras es echado".
Não, era o sentir comum de todos, até do próprio Rei Afonso
VI, que não desperdiçava nenhuma ocasião de furtar, roubar e
saquear aos míseros e desunidos Taifas, e que o diga a embaixada de Pedro Ansurez, pedindo parias a Abu Ziry, Rei de Granada (21); ou o preço que Afonso VI põe ao auxílio que presta
a Alcadir, Rei de Toledo (22) .
— Pelas próprias memórias de Abu Ziry sabemos a quantidade pedida: vinte
mit,dinares (20.000). (Abu Ziry, Mernorias...• em AI Andalus, Vol. IV, fascículo 1, pág. 29).
— Todo o ouro e tódas as jóias que tivesse, mais os Castelos de Torres e Ca(M. Pidal, Op. ci t .). Claro que Alcadir logrou escamotear desta enneles
trega jóias de tão incalculável valor, como o "Collar de los Aguijones de Escorpión", que havia servido de cinto para a sultana Zobeida, mulher que
foi do lamoso Califa das "Mil e uma noites"; }leniu a1-Raschid; acêrca 'dá
cuja origem histórica, valor e destino trágico, que chegam até Isabel, a Católica, temos um livro em preparação.
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
— 322 —
E tudo isto sabemos primeiro, pelo poema, e depois pelos
documentos e crônicas árabes muito mais verídicas, e menos aduladoras do poder real, do que as cristãs. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV
,
IV. — As instituições medievais no poema
As instituições e costumes da época tão pouco passam desapercebidas para o poeta: o costume de entregar o quinto dos despojos ao chefe, vemos mencionado, infinidade de vêzes; a lealdade, direitos e deveres da vassalagem, incondicionais até a morte, em defesa do senhor; e finalmente o repto, para não sermos mais
extensos, suas condições, assim como seu cerimonial,• disposição
do campo, tempo, os juízes, etc., com todos os detalhes que se
podem ver nos versos seguintes . Neles aparece o juglar respeitosíssimo com a verdade histórica, desde os personagens até os
mais leves pormenores de indumentária e armas .
Veja-se como descreve tudo que se refere ao repto que o
Cid faz aos Infantes de Carrión, que como se sabe o injuriaram
e maltrataram suas filhas, deixando-as depois abandonadas num
monte .
O Rei nomeia os juízes:
"Alcaides sean desto conde don Anrric e conde don Remond
e estos otros condes que dei bando non sodes",
em seguida ordena, que segundo o ritual, o Cid peça justiça; êste
faz suas reclamações, começando pelas espadas Colada e Tizona,
as jóias, arras das' desposadas, etc., que os juízes vão resolvendo
no ato, e finalmente o repto culpando aos Infantes de "menos valer" coisa que há de fazer cada um dos defensores do Campeador, familiares todos êles das desposadas, de conformidade com
a vingança do sangue então vigente, a cada um dos Infantes; e
como Pero Vermúdez parecesse um tanto calado, pelo que não
entraria no duelo, o Cid o increpa desta maneira feroz:
"Fabla Pero Mudo (23), varón que tanto callas!
Yo las he fijas, e tu primas cormanas!
a mi lo dicen, a ti dan las orejadas.
Si yo respondiero tu non entraras en armas".
Efetuado o desafio, o Rei fixa o prazo:
"Aqui los pongo plazo de dentro en mi cort
a cabo de tres sedmanas, en vegas de Carrión
que fagan esta lid delant estando yo". zyxwvutsrqponmlkjihgf
(23) . — Chamava-se Pero Ber-Mudo, mas por uma formosa figura retórica o Cid
suprime a primeira parte, para deixar ~ente a segunda, com a qual o
insulta.
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O Cid temendo qualquer traição do "bando" (24) dos Beni
Gómez, encomenda seus lidadores ao Fuero Real, ao que lhe responde Afonso, que nada tem que temer .
Chegada a véspera da luta, todos cuidam das armas; amanhecido o dia seguinte, e estando presente o Rei, armam-se uns e
outros separadamente, montam a cavalo, e até o armamento que
uns e outros tinham que empregar — lança, escudo, espada —
também nos diz o poeta:
"los escudos a los cuellos que bien blocados son,
e mano prendeu las hastas de los fierros tajadores
estas tres lanças, traen senos pendones";
o campo delimitado:
"ya salieron al campo do eran los mojones".
O Rei nomeia juízes do campo de cada um dos bandos:
"El Rey dióles fideles por decir el derecho e al n one".
Feito isto, os "fideles" de cada bando ensinam os marcos aos
lidadores:
"Los fideles e el Rey ensefíaron los mojones
livrábanse del campo todos aderredor.
Bien gelo demonstravan a todos seis commo son
que por i serie vencido qui saliese del mojón.
Todas las gentes escombraron a derredor
de seis hastas de lanças que no llegasen al mojón".
Sorteia-se depois o campo e os juízes abandonam o centro do
palenque:
"Sorteávanles el campo, ya les partien el sol
salien los fideles de medio, ellos cara por cara son".
Vem em seguida o desenvolvimento do combate no qual se
dão e recebem feros golpes entre ambas as partes, até que os de
Carrión, uns após outros vão declarando-se vencidos, com o que
termina o duelo e também o poema.
A vista desta descrição tão pormenorizada, não nos fica a
menor dúvida de que os reptos e combates conseqüentes, se levaram a cabo no século XI, nestas precisas condições que deveriam ser conhecidas por todos, e portanto, podemos afirmar que
um repto, históricsmente era assim .
Ao contrário, em nosso caso concreto, o fato material do repto é totalmente legendário, e muito mais lendário ainda, o lugar.
Disto, não nos cabe a menor dúvida, pois seria demasiada humilhação, caso fôsse certo, não para os Infantes precisamente, se não
para um personagem que, como don Pedro Ansurez, era, pode-
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(24) . — Bando dos de Carrión, poderosíssimos na côrte, chamava-se a todos os nobres partidários crestes, dirigido pelo Senhor de Valladolid, Pedro Ansurez .
— 324 —
se dizer, - tão poderoso como o próprio Rei. 'Permitir êste, que a
palenque paprópria capital de seus estados, Carrión, servisse de zyxwvutsrqponmlkjihg
ra sua humilhação, é demasiado para que êste o tolerasse em silêncio, e menos ainda, para que Afonso, que tudo lhe devia, até
o reino e a própria vida (25), lho propusesse; e menos ainda zyxwvutsrqponm
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levasse a cabo. Que importou jamais o Campeador a Afonso VI?
Nada. Que benefícios poderia trazer esta justiça?... Nenhum .
Em troca, que fêz Afonso que não fôsse sempre do agrado de doai
Pedro? Afonso apreciava êste em demasia, para sobrepor-lhe um
desterrado, que apesar de muito grande, só lhe tinha feito passarmaus momentos, desde Santa Gadea, até o próprio instante em
que isso poderia ter acontecido: umas vêzes ficava com as parias que ia cobrar; outras, atacava aos mouros de Toledo, ami-,
gos de Afonso, onde êste tinha os hospitais, que hoje chamaríamos de sangue, para seus soldados (26), outras, enfim, afronta-.
va de maneira ultrajante, em realidade, sem motivo suficiente, a
nobres como Garcia Ordónez, que em reciprocidade lhe devolviam a afronta em ostracismo.
Mas afora todos êstes motivos que- poderíamos chamar sentimentais, temos outros de mais pêso: não existe documento alzyxwvutsrqponmlk
n
gum; pelo menos, é hoje totalmente desconhecido, onde, mais ou
menos se faça menção nem longínqua sequer, de acontecimento,
que necessàriamente teria chamado a atenção pública . Nem o
próprio M_ enéndez Pidal, tantas vêzes mencionado, e autor versadíssimo neste assunto, o admite como certo, apesar de referir
a Tradición de Cornellana, da qual já destacamos o mérito em
linhas anteriores. Pelo contrário, mostramos documentos (e alguns citamos neste trabalho) que nos demonstraram até à evidência, que os Infantes continuavam na Côrte, bastante anos após
êsses •acontecimentos, coisa totalmente impossível de ser exata,.
pela desonra e destêrro inerente à Côrte, que tal derrota trazia
consigo.
Por tudo o que nos atrevemos a afirmar, que não sõmente o
repto, mas como tudo aquilo que o motivou, e em geral os fatos
narrados nesta segunda parte, não são mais que pura lenda, invenção do jug/ ar, mas tão bem delineados, tão bem unidos e entremeados de dados históricos com os lendários; tudo tão natural,
tão humano, tão conforme com o senso de justiça, que se atribui
a Afonso VI, e com os costumes e usos da época, que se não conhecêssemos por outros documentos os bandos e suas famílias,.
nos inclinaríamos a acreditá-los totalmente históricos. Mas nada
disto diminui o poema, pelo contrário, pois não se trata de uma
(25) .
O Conde don Pedro Ansurez livrou Afonso VI da morte depois da batalha
de Golpejera, quando prisioneiro de seu irmão Sancho, êste ia executá-lo,.
conseguindo don Pedro trocar a pena de morte pela do destêrro, e desterrando - se êle próprio, com seu Rei, para a côrte do Rei mouro de Toledo. Ai
Mamún. (Bol et í n de l a Real Academi a de l a Hi st ór i a, V. — 1884, Cap..
IV, págs. 155) .
(25) . — M. Pidal, Op. ci t ., pág. 267.
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e
história, e sim de um poema épico. Posto em comparação com
muitas histórias e crônicas medievais, é mais histórico que a maioria delas.
Cremos que com aquilo que aqui foi por nós exposto, podemos fazer uma ligeira idéia, sumária, mas muito aproximada, do
que o poema tem de histórico e do que tem de legendário, ambas
as coisas que pretendemos demonstrar através dêste trabalho. zyxwvutsrqponmlkj
RICARDO ROMAN BLANCO
AdProfessor da Universidade de Valladolid (Espanha) .
junto à Cadeira de História da Civilização Americana da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de
São Paulo, como Professor de Paleografia e Diplomática.
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