'Megalopolis', de Coppola, é um trem desgovernado e megalomaníaco em Cannes

Filme é dos mais aguardados do festival e, depois de uma série de problemas no desenvolvimento, deve frustrar a cinefilia

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Cannes (França)

O Festival de Cannes não fez seu público esperar muito para conferir o que é provavelmente o filme mais aguardado da competição deste ano, "Megalopolis".

Adam Driver e Nathalie Emmanuel em cena do filme "Megalopolis", de Francis Ford Coppola - Divulgação

Projeto dos sonhos de Francis Ford Coppola, o título foi exibido já nesta quinta-feira (16), segundo dia da mostra principal de longas. Mas o que era festa, por estarmos perto de um novo Coppola, virou frustração. O cineasta mirou alto –e acertou lugar nenhum.

Muita coisa contribuiu para que "Megalopolis" ganhasse aura de épico antes mesmo da première, e não só pelo orçamento de US$ 120 milhões, cerca de R$ 615 milhões. A notícia de que o filme estava prestes a ficar pronto teria gerado uma corrida de festivais para assegurá-lo em suas seleções.

Thierry Frémaux, diretor de Cannes, foi mais hábil, e pode ter pesado o fato de o próprio Coppola já ter vencido a Palma de Ouro duas vezes, com "Apocalypse Now" e "A Conversação", naqueles raros anos lembrados como certeiros.

Além disso, falamos de um projeto marcado por problemas. Foram cerca de 40 anos entre o momento em que Coppola concebeu a ideia e a estreia de agora, o que só aconteceu porque o americano decidiu injetar dinheiro do próprio bolso.

O que era para enfim ser uma celebração de um dos maiores cineastas da história do cinema americano, pai de "O Poderoso Chefão" e "Drácula de Bram Stoker", em seus 85 anos, virou caos completo.

"Megalopolis" teve um set de filmagem marcado por problemas. Metade do departamento de arte largou –por opção ou demissão– o filme no meio, figurantes acusaram Coppola de beijá-las para que "entrassem no clima" de uma cena de festa e distribuidores disseram que aquilo seria perda de dinheiro na certa.

O comportamento do cineasta foi resumido como "old school", como se dirigisse o filme como nos velhos tempos da Nova Hollywood, que ele ajudou a fundar ao lado de nomes como Martin Scorsese e George Lucas –seu amigo pessoal e homenageado com a Palma de Ouro honorária neste ano.

Assim, não é exatamente uma surpresa, após as primeiras sessões, vermos que "Megalopolis" passa –muito– longe do brilhantismo de "Apocalypse Now", síntese perfeita dos horrores da guerra.

Curiosamente, repete o balde de água fria que foi "O Homem que Matou Dom Quixote", projeto dos sonhos e de longa gestação de Terry Gilliam que decepcionou o público de Cannes há seis anos. Em mais um ponto em comum, ambos são estrelados por Adam Driver.

Em "Megalopolis", ele interpreta um arquiteto visionário e poderoso, com a habilidade de congelar o tempo. Ele tenta fazer de Nova York –ou melhor, de Nova Roma, como a cidade é chamada aqui– uma utopia futurista, a partir de uma tecnologia chamada Megalon. É nela, capaz de erguer cidades e também cicatrizar tecidos do corpo humano, que reside boa parte da confusão da trama.

Relevado o detalhe, Caesar Catalina, personagem de Driver, está em guerra com o prefeito vivido por Giancarlo Esposito, que vê sua popularidade entrar em queda livre em meio aos problemas sociais que Nova Roma enfrenta. Mas isso não impede que o arquiteto se envolva com a filha do inimigo, interpretada por Nathalie Emmanuel, de "Game of Thrones".

Vale registrar que quem rouba a cena, porém, são Aubrey Plaza e Shia LaBeouf, a primeira como uma jornalista vigarista e sádica, e o segundo, como o provável herdeiro de um banco, divertidamente despudorado.

Como o próprio nome já diz, "Megalopolis" foi pensado para ser hiperbólico. A trama gira em torno de uma espécie de Império Romano moderno, e tudo o que vemos é exagerado –os diálogos, as atuações, a trilha sonora, os visuais. Mas o roteiro em si não acompanha a complexidade, metralhando ideias sem dar liga a elas.

É interessante a tentativa de Coppola de transpor Roma e sua grandiosidade para os dias de hoje, mas sua direção e seu roteiro são errantes. Assim, "Megalopolis" mais parece um trem desgovernado, perdido em sua própria megalomania. Coppola é o próprio César, cego por seus delírios de grandeza. Ou talvez, como ele, incompreendido.

O americano sempre apresentou em seu cinema ideias desconectadas de seu tempo. A questão é que, nesta empreitada, elas parecem mais mirar uma ingenuidade do passado do que as possibilidades do futuro. A estética tem um quê de vintage, e a presença de um narrador também confirma a olhadela para trás –ao mesmo tempo em que cansa por explicar o óbvio.

"Megalopolis" é um emaranhado de ideias que poderiam gerar dois ou três filmes muito distintos entre si. Juntas, acabam se atrapalhando e frustrando a cinefilia, que torcia co honestidade pelo triunfo de Coppola.

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