Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Descrição de chapéu Portugal

A perigosíssima liberdade

Há quem não goste e a queira limitar, um desejo que não é muito poético

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Portugal esteve em festa esta semana. Celebrou-se meio século de liberdade. Há 50 anos, no dia 25 de abril, um grupo de militares derrubou a ditadura e o povo saiu imediatamente à rua, apoiando a revolução.

Os portugueses devem a liberdade ao Movimento das Forças Armadas e ao povo. Ora, acontece que eu não gosto de militares. Não gosto da ética militar, nem da brutalidade, nem daquele fanatismo patriótico que é, com muita frequência, trágico.

Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araujo Pereira de 27 de abril de 2024 - Folhapress

E, aqui para nós, também não gosto do povo. Não gosto da irresponsabilidade da multidão, nem daqueles que parecem ser os dois principais fatores de interesse da massa popular: aglomerar-se em torno de acidentes rodoviários e insultar os carros que levam os suspeitos para o tribunal.

No entanto, foram os militares e o povo que fizeram o 25 de Abril. Às vezes, dá-se o caso de um casal muito feio ter um filho muito bonito. Parece-me que foi o que aconteceu, embora nem toda a gente esteja convencida da beleza da criança. É quase milagroso que o 25 de Abril celebre 50 anos, dado o reduzido número de apreciadores da liberdade. Somos tão poucos que às vezes parece que estamos impondo abusivamente a nossa vontade aos outros.

Não existe propriamente unanimidade em torno da liberdade. Há quem não goste, o que se compreende. A liberdade é perigosa e desagradável. Implica que os outros digam o que querem e vivam como querem. E há coisas que umas pessoas não gostam de ouvir e maneiras de viver que outras pessoas condenam.

Mulheres votam e trabalham, pessoas do mesmo sexo se casam, gente com convicções bizarras diz o que lhe apetece. Há quem não goste deste estado de coisas e pretenda limitar a liberdade. Não é um desejo muito poético.

Talvez não seja por acaso que Paul Éluard, naquele célebre poema sobre a liberdade, não tenha refletido sobre esse problema específico. Entreteve-se a dizer que tinha nascido para a conhecer, e para a nomear —e com isso provavelmente esqueceu-se da importância de a limitar. Não seriam versos especialmente inspiradores: Je suis né pour te limiter: liberté.

O Brasil esteve envolvido no 25 de Abril. As grandes figuras da nossa ditadura exilaram-se aí. O último ditador acabou os seus dias a viver em Copacabana. A pior coisa que lhe aconteceu talvez seja ter ouvido antes dos outros portugueses a canção de Chico Buarque, "Tanto Mar". Digamos que há destinos mais trágicos.

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